15 de fevereiro de 2019

[Resenha] Quem tem medo do feminismo negro?


QUEM TEM MEDO DO FEMINISMO NEGRO?
Autor(a): Djamila Ribeiro
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2018
Páginas: 152
Classificação: 5/5 (favoritado)


Sinopse: Quem tem medo do feminismo negro? reúne um longo ensaio autobiográfico inédito e uma seleção de artigos publicados por Djamila Ribeiro no blog da revista CartaCapital, entre 2014 e 2017. No texto de abertura, a filósofa e militante recupera memórias de seus anos de infância e adolescência para discutir o que chama de “silenciamento”, processo de apagamento da personalidade por que passou e que é um dos muitos resultados perniciosos da discriminação. Foi apenas no final da adolescência, ao trabalhar na Casa de Cultura da Mulher Negra, que Djamila entrou em contato com autoras que a fizeram ter orgulho de suas raízes e não mais querer se manter invisível. Desde então, o diálogo com autoras como Chimamanda Ngozi Adichie, bell hooks, Sueli Carneiro, Alice Walker, Toni Morrison e Conceição Evaristo é uma constante.
Muitos textos reagem a situações do cotidiano — o aumento da intolerância às religiões de matriz africana; os ataques a celebridades como Maju ou Serena Williams – a partir das quais Djamila destrincha conceitos como empoderamento feminino ou interseccionalidade. Ela também aborda temas como os limites da mobilização nas redes sociais, as políticas de cotas raciais e as origens do feminismo negro nos Estados Unidos e no Brasil, além de discutir a obra de autoras de referência para o feminismo, como Simone de Beauvoir.

Bom dia, queridos leitores!

Hoje venho trazer para vocês as minhas impressões sobre uma leitura mais que especial!

Djamila nos relata trechos de sua vida em que a cor de sua pele foi algo que dificultou seu dia-a-dia, sua convivência em certos lugares, em resumo, seu acesso a oportunidades.

Ao ler esse livro, percebi o quanto precisamos falar em feminismo negro e não apenas em feminismo, tendo em vista que as mulheres negras enfrentam as dificuldades de serem discriminadas por 2 fatores diversos, enquanto mulheres brancas sofrem o machismo mas não sofrem pela sua cor.

 "Quando pequena, eu e meus irmãos não pudemos entrar na festa de uma amiga porque o tio dela não gostava de negros. Ela nos serviu na calçada da casa dela, até que, indignados, fomos embora. Alguma pessoa branca já passou por isso exclusivamente por ser branca?"

Djamila é fantástica em descortinar diversos conceitos e ideias muito importantes e, principalmente, em explicar de onde surgiram os termos.

Nesse sentido, o leitor percebe a necessidade das cotas raciais no Brasil de hoje, tendo em vista os grandes benefícios que os europeus tiveram para recomeçarem a vida no Brasil, tais como a doação de terras para moradia e exploração. Enquanto isso, os negros trazidos na mesma época (é claro que à força, com resistência), vieram para serem escravos e só depois de mais de 300 anos se tornaram livres.

Porém, muitas vezes não percebemos que "livre" quer dizer apenas sem amarras e correntes, sem serem obrigados a serviços forçados. Mas quantos deles (ex-escravos e seus descendentes) tiveram algum auxílio para terem acesso a oportunidades de vida e sequer de sobrevivência?

Essa é uma das muitas reflexões propostas pela autora e, após a leitura, é impossível não compreender a defesa das cotas raciais nas universidades por exemplo. Quando se fala em dívida histórica, não é porque "os negros querem assim", mas porque realmente existiram condutas históricas que retiraram dos negros as oportunidades e as retiram até hoje.

"De volta a Beauvoir: precisamos discutir a partir da experiência vivida, da concretude. Enquanto persistirem as desigualdades e as imposições de papéis sociais, não será possível considerar nenhuma mulher moderna, por mais que ela tenha o último modelo de smartphone, produzido dentro da lógica capitalista de exploração. E o mesmo acontece se acreditarmos que o progresso está ligado à manutenção de desigualdades para o benefício de um grupo social."

A autora ainda nos coloca em contato com trechos da obra de Simone de Beauvoir e outras grandes escritoras da causa feminista. Depois desse livro, acrescentei pelo menos mais 10 obras de extrema importância em minha lista de leitura.

Seja em situações de sua própria vida, problemas da sociedade como um todo, através da explicação da história e de várias outras formas, Djamila nos conduz facilmente ao entendimento através de exemplos. Muitos deles, milhões de "detalhes" que tornam mais difícil a vida das mulheres em geral, das pessoas negras e, é claro, da mulher negra.

Quando diminuem a Maju (garota do tempo do Jornal Nacional) ou a Serena Willians (campeã "de tudo" no Tênis Feminino), atingem diretamente todas as negras que só querem ter seu lugar respeitado.

A autora cita como exemplo o emblemático caso do goleiro da seleção Moacir Barbosa, na Copa de 50. A ele foi atribuída a culpa pelos gols que a seleção brasileira levou naquele jogo contra o Uruguai e ele ficou marcado, foi crucificado pela mídia e, a partir de então, "coincidentemente", a seleção ficou mais de 50 anos sem ter outro goleiro negro.

 "Quando uma pessoa de um grupo historicamente discriminado erra, todo o grupo leva a culpa. No caso de Barbosa, criou-se o mito de que negros não servem para goleiro. E, por exemplo, se uma mulher bandeirinha erra num lance, a primeira coisa que vão dizer é: "mulher não serve para trabalhar com futebol", "deveria estar lavando louça". Se um árbitro homem erra, ninguém diz que homem não serve para trabalhar com futebol - culpa-se o indivíduo, e não o grupo."

Eu mesma, que amo futebol, já fui obrigada a ouvir (não sem revolta) diversas vezes frases machistas sobre bandeirinhas mulheres, o que acho de um desrespeito e de uma ignorância sem tamanho! Cansei de ter minha opinião sequer ouvida em grupos em que se falava de futebol, apenas por ser mulher, como se isso me diminuísse ou, pior, me desabilitasse a falar sobre o assunto. É o famoso "lugar de fala" que, dentro do futebol, parece ser apenas dos homens!

A escrita de Djamila é fluida, o livro tem leitura rápida e traz reflexões profundas! Indico para todos, pois a conscientização é o primeiro passo para que a nossa sociedade possa finalmente mudar.

E você, já leu este livro ou outros do mesmo tema? O que achou? Conte-nos nos comentários!





3 comentários:

  1. É um absurdo que em pleno século XXI o racismo ainda esteja vivo. É revoltante de mais, eu tenho uma sobrinha que foi alvo de racismo e sofreu bastante (e nós com ela). É mais do que hora de as pessoas lutarem por seus direitos, independentemente da sua cor de pele. Não conhecia o livro, mas gostei dele por sua resenha muito bem elaborada. Parabéns!

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  2. Eu não li esse livro, mas ainda acho um absurdo que depois de tanta luta, ainda tenha quem ache que somos menores. Ainda mais quando se trata de cor. Cor nunca definiu nada nesse mundo, mas as pessoas insistem nisso... Uma pena. Esse livro merece ser lido, relido e compartilhado com o mundo.
    Bjks!

    Mundinho da Hanna

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  3. Não li este livro e confesso ter certa dificuldade para abraçar causas com extremismos descarados, como se vê em peso na Europa. Mas é um absurdo que em pleno século que vivemos tenhamos que tolerar tanta diferenciação injusta, que as pessoas não tenham direito de provar seu valor simplesmente porque os outros não os acham dignos. Textos assim revoltam mulheres, revoltam negros e nos levam sim à necessidade de que a mídia exponha cada vez mais essas situações para que um dia possamos ter um mundo melhor e mais justo.
    Bela resenha, parabéns!!

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